"Na semana passada escrevi sobre os “vibradores”, os “consoladores”, os “ricardões” digitais portáteis. Nos bons tempos, sexo era uma coisa complicada: sonhos e corpos, orgasmos e sonetos. Hoje, queremos alijar sentimentos românticos da ginástica sexual. Nosso ideal é não sofrer. O mundo está tão angustiante que o desejo é o “anti-werther”, é gozar sem alma. Mas, desde que escrevi sobre o assunto, mulheres me cobram com ardor: “E os homens? Qual é a deles?” Bem, como “hype” da desumanização sexual, só nos resta a boneca inflável, a “sex doll”, a noiva do Frankenstein. Isso. Para as mulheres, é mais simples; elas se dão bem com uma peça portátil; mas os homens têm de se defrontar com o objeto total, com a imitação da vida. O vibrador é uma metonímia digital (a parte pelo todo); a mulher de borracha é uma metáfora analógica. O “consolador” é arte contemporânea; a boneca inflável é a representação figurativa. Somos apenas fruto da imaginação feminina? Por que precisamos da imagem figurativa da mulher? Não sei. Sofrida por tantos séculos, talvez a mulher seja mais livre longe de nós. Será que lhes basta o pênis digital, sem inconsciente, sem bigode, sem flamengo, sem manias? Para elas, o consolador é uma “coisa em si”; o homem foi amputado dele. Para nós, a mulher inflável tem de estar ali, inteira. As raras genitálias femininas inventadas parecem esquartejamentos. O “passaralho”, não; voa impávido, aplaudido pelas moças. Na internet, há milhares de bonecas, do plástico ao silicone, de ridículos aleijões até sofisticadas damas consistentes. E cada modelo é mais que o corpo, pois nos promete um consolo moral, além do prazer puro. A mulher de borracha quer nos provocar sentimentos – foi construída para nos iludir com um estranho amor. Há mulheres de borracha que falam em várias línguas. Gozam em japonês, inglês ou francês (canadenses), há mulheres com baterias 4AA e motorzinho vibratório, há bonecas com línguas rotativas, há mulheres alienígenas, cheias de buracos e vozes metálicas, há sussurros românticos, frases carinhosas e elogiosas a nós. As mulheres artificiais buscam imitar a natureza – entre elas flutua um desejo romântico masculino. Há também (vi na rede) “bofes infláveis”. Sim, há bonecos malhados, copiando “brad pitts” ou “falcons” para gays enrustidos. Ambos vivem “dentro do armário”. Mas, mesmo com alma feminina, um “consolador” não basta aos homens, gays ou não. Pênis nós já temos; precisamos da presença total. Falamos em coxas e bundas, mas queremos a alma. Qual a razão do sucesso das “sex dolls”? Os anúncios machistas dizem: “Compre uma! Não precisa levar para jantar nem aguentar papo chato...” Mas, isso não é a verdade. Não é por tédio, não. A razão do sucesso das “sex dolls” é o nosso medo. Vamos assumir: temos medo das mulheres. Sua multiplicidade, sua “mobilitá”, sua variação nos assusta. Queremos trancá-las num só sentido, mas elas são polissêmicas, mutantes, inesperadas. Os islâmicos, primitivos e óbvios, prendem-nas em burkas ou haréns, sufocando sua luminosa vitalidade. E nós, que tememos? Temos medo sobretudo do Grande Amor. O grande amor nos enlouquece, nos fragiliza, nos desampara. Temos medo do abandono, da rejeição... Queremos manter a mulher imutável, mas ela nos escapa sempre, fluida, vazando por entre as frestas, fugindo de nosso controle. Já a “sex doll” nos espera, no fundo da gaveta. A “sex doll” não provoca crimes de honra, de ciúme. Ninguém mata a “sex doll”, que já vem morta numa tecno-necrofilia (o que é uma persistência romântica...) Somos muito mais carentes do que pensamos em nosso machismo boçal; as mulheres são mais pragmáticas (cartas à redação...). Claro que as mulheres, mesmo infláveis, também dão trabalho. Nos manuais de instrução, informam-nos que elas não podem estar nem muito cheias nem flácidas. Muito cheia, ela nos rejeitará, pois “quica” ao contato. Vazia, nos abandona, foge entre nossas mãos, não têm “pega”. Imagine-se o leitor num posto de gasolina, buscando a calibragem certa: “Põe mais umas libras aí, pra ficar mais gostosa...” Outro problema é que a mulher inflável nos deixa sozinhos, mesmo no ato do amor. Ela nos responde com frases feitas, gravadas, mas não atende a nossas demandas. Uma das grandes cenas de cinema que vi na minha vida foi num filme pornô. Isso: por acaso, uma sacanagem pode virar “grande arte”. A cena: um homem sozinho num motel ama uma boneca inflável. Com afeto, com paixão. A boneca responde a cada gesto seu, numa reação de espelho. Ele fala com a boneca, grita, beija-a, mas o desamparo da mulher muda, sem vida, repetindo simetricamente cada carinho seu, aumenta a fome de amor do sujeito, que chega ao clímax desesperado numa chuva de lágrimas. Naquela pungente cena, antológica, se ilumina uma necrofilia romântica, a brutal solidão do amor. Bergman assinaria a cena. A boneca inflável é a prostituta radical. Na relação com a prostituta, a maioria dos homens quer amor. Essa é a verdade. Queremos o coração ou o beijo profundo que ela não nos dá jamais; mas com a prostituta ainda temos esperança de um afeto, da conquista de um “reconhecimento” ou gratidão. A “sex doll” nos dá tudo, mas nos deixa sozinhos diante de nossa tragédia. Terrível é a tristeza do “silêncio de depois”: o homem ofegante se ergue da cama e esvazia a boneca que lentamente se redobra, com o suave silvo do ar que a abandona, como um lento desmaio. O homem guarda-a com carinho, longe dos olhos sadios da casa, mas ela nos angustia mesmo no fundo do armário, como um cadáver oculto. Com a prostituta, pecamos. Com a boneca, praticamos um crime secreto. Não há duvida: estamos virando coisas. Com vibradores ou “sex dolls”, e espantosos aparelhos que virão, a tecnologia da solidão nos manterá iludidos por muito tempo. Teremos prazeres tecnológicos inimagináveis, até que o excesso de satisfação vire um deserto assexuado. Neste dia, estaremos broxas diante de bonecas esvaziadas. E teremos uma saudade infinita do sofrimento romântico. "
A BONECA INFLÁVEL NÃO AMA NINGUÉM - Arnaldo Jabor para Jornal O Globo, em 30/01/07.
2 comentários:
A vida até parece uma festa,
Em certas horas isso é o que nos resta.
Não se esquece o preço que ela cobra,
Em certas horas isso é o que nos sobra.
Ficar frágil feito uma criança,
Só por medo ou por insegurança.
Ficar bem ou mal acompanhado,
Não importa se der tudo errado.
Às vezes qualquer um faz qualquer coisa
Por sexo, drogas e diversão.
Tudo isso às vezes só aumenta
A angústia e a insatisfação.
Às vezes qualquer um enche a cabeça de álcool
Atrás de distração.
Nada disso ás vezes diminui
A dor e a solidão.
Tudo isso, ás vezes tudo é fútil,
Ficar ébrio atrás de diversão.
Nada disso, às vezes nada importa,
Ficar sóbrio não é solução.
Diversão é solução sim,
Diversão é solução prá mim.
um outro simples termo que se adequa a atual realidade eh:
"quem nao tem cao, caca com gato"
!!!
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