25/01/2013

fantasmas de meio século

Cheguei em casa, ontem a noite, e uma festa surpresa em família saudava meu meio século vivido. Ô, delícia(!) por todos que ali estavam para celebrar a data comigo e, ô, preguiça(!) pela necessidade de espalhar sorrisos e atender a todos num momento em que só pensava em ficar quieto, olhando o que passou e entendendo o que anseio para os próximos cinquenta anos. O espaço é amplo, deu para os (quase) trinta convidados, se espalharem a vontade pela sala festiva, cheia de balões e retratos. A noite foi passando ao som de bossa nova e de burburinhos provocados por conversas mil. Muitos não se encontravam há mais de dois anos e as atualizações estavam pendentes: o priminho que passara no vestibular, a avó que perdera a melhor e pouco mais jovem amiga, as viagens de uns ao interior do país, de outros ao exterior… essas coisas de família. Não, não. De família não. De gente que se ama e se encontra pouco (ou que se ama porque se encontra pouco). Presentes também estiveram as narrativas de memórias diversas dos que me acompanharam na jornada, histórias daquelas em que um contradiz o outro por, cada qual sob seus singulares sentidos, ter vivenciado o mesmo fato. Lá pelas tantas, após alguns copos de cerveja, comecei a olhar as fotos e, de uma maneira meio transversal, experimentei parte do que queria naquela data de balanço da vida, revivi as histórias através das fotografias, uma por uma, numa linha que nada tinha de cronológica. Gostosa sensação de nostalgia.
Todos se foram, as fotos ficaram de presente.
A bagunça também.
Fui dormir, mamãe já havia convocado sua faxineira para limpar os resquícios da noite marcante.
Não sei exatamente por que, talvez pelos estímulos da noite passada, mas hoje de manhã acordei com a imagem daquele momento que me introduziu na sensação de derrota ou, mais que isso, me trouxe à luz da consciência este meu, por anos a fio, sentimento parceiro. Estranho… a foto não era das que estavam penduradas na parede porém foi a imagem que me acordou e acompanhou em cada minuto do dia. Para mim sempre foi claro que o registro do qual fujo, simbolizava a grande dor de, pela primeira vez, não ter sido o primeiro. Eu, filho, neto e sobrinho único por quase toda a infância, deparei-me com a realidade de abrir mão dos ganhos para que terríveis rivais ficassem com o que (eu achava que) era meu. Não sabia mensurar o tamanho da dor que perder aquela prova de natação representou para mim. Lembro exatamente do dia, estava cinza como hoje e, eu, logo ao acordar, corri para a cama de meus pais, eufórico com a prova, tão esperada prova. Tudo foi mágico até o fim da competição, quando levantei a cabeça da água e percebi que tinha chegado atrás de outros três. Gosto amargo da sensação de derrota, ainda que em cima do pódio, ainda que com o troféu na mão. Anos mais tarde, na passagem da adolescência à vida adulta, este sentimento companheiro levou-me ao consultório de minha analista. Entre idas e vindas, os anos de trabalho fizeram com que eu, o grande eu, compreendesse muitas coisas relacionadas a este e outros fatos. Contudo, o eu, pequeno eu, insistia nas perguntas que já havíamos respondido de diversas formas e por inúmeras vezes. Naquela manhã, perguntei-me se não havia superado o episódio, quando na verdade, sabia que o buraco era mais fundo. Agarrava-me a ele para justificar meus medos de perda e de incapacidade. Pelos receios, tornei-me alguém solitário. Cordial, após a temporada de terapia, mas sozinho. Era chegada a hora de olhar de verdade pro que fui, pro que sou.
Serei?

Texto sobre uma das imagens do banco exibido no terceiro encontro.

A imagem: um menino, um pódio, um troféu, uma tristeza.
Engraçado é que o escrevi na quarta-feira e, ontem, várias coisas me levaram a ele.

Clara