30/06/2006

Já postei uns poemas do Leminsk aqui. Agora dou a vez a outros que estive lendo ontem, no livro que ganhei de aniversário, esse ano.


Merda e ouro
Merda é veneno.
No entanto, não há nada
que seja mais bonito
que uma bela cagada.
Cagam ricos, cagam padres,
cagam reis e cagam fadas.
Não há merda que se compare
à bosta da pessoa amada.

O que quer dizer
O que quer dizer, diz.
Não fica fazendo
o que, um dia, eu sempre fiz.
Não fica só querendo, querendo,
coisa que eu nunca quis.
O que quer dizer, diz.
Só se dizendo num outro
o que, um dia, se disse,
um dia, vai ser feliz.

sorte no jogo
azar no amor
de que me serve
sorte no amor
se o amor é um jogo
e o jogo não é meu forte,
meu amor?

o amor, esse sufoco,
agora há pouco era muito,
agora, apenas um sopro
ah, troço louco,
corações trocando rosas,
e socos

Pareça e desapareça
Parece que foi ontem.
Tudo parecia alguma coisa.
O dia parece noite.
E o vinho parecia rosas.
Até parece mentira,
tudo parecia alguma coisa.
O tempo parecia pouco,
e a gente se parecia muito.
A dor, sobretudo,
parecia prazer.
Parecer era tudo
que as coisas sabiam fazer.
O próximo, eu mesmo.
Tão fácil ser semelhante,
quando eu tinha um espelho
pra me servir de exemplo.
Mas vice versa e vide a vida.
Nada se parece com nada.
A fita não coincide
Com a tragédia encenada.
Parece que foi ontem.
O resto, as próprias coisas contem.

ai daqueles
que se amaram sem nenhuma briga
aqueles que deixaram
que a mágoa nova
virasse a chaga antiga
ai daqueles que se amaram
sem saber que amar é pão feito em casa
e que a pedra só não voa
porque não quer
não porque não tem asa

Asas e azares
Voar com asa ferida?
Abram alas quando eu falo.
Que mais que fiz na vida?
Fiz, pequeno, quando o tempo
estava do meu lado
e o que se chama passado,
passatempo, pesadelo,
só me existia nos livros.
Fiz, depois, dono de mim,
quando tive que escolher
entre um abismo, o começo,
e essa história sem fim.
Asa ferida, asa
ferida,
meu espaço, meu herói.
A asa arde. Voar, isso não dói.

Até mais
Até tu, matéria bruta,
madeira, massa e músculo,
vodka, fígado e soluço,
luz de vela, papel, carvão e nuvem,
pedra, carne de abacate, água de chuva,
unha, montanha, ferro em brasa,
até vocês setem saudade,
queimadura de primeiro grau,
vontade de voltar pra casa?
Argila, esponja, mármore, borracha,
cimento, aço, vidro, vapor, pano e cartilagem,
tinta, cinza, casca de ovo, grão de areia,
primeiro dia de outono, a palavra primavera,
número cinco, o tapa na cara, a rima rica,
a vida nova, a idade média, a força velha,
até tu, minha cara matéria,
lembra quando a gente era apenas uma idéia?

Incenso fosse música
isso de querer
ser exatamente aquilo
que a gente é
ainda vai
nos levar além

praias praias sinais
um olhar tão longe
esse olhar ninguém olha
jamais